O Sal e a Água
(Conto Popular)
Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas, por
sua vez, qual era a mais sua amiga. A mais velha respondeu:
- Quero mais a meu pai do que à luz do Sol.
Respondeu a do meio:
- Gosto mais do meu pai do que de mim mesmo.
A mais moça respondeu:
- Quero-te tanto como a comida quer o sal.
O rei entendeu por isto que a filha mais nova não o amava
tanto como as outras e pô-la fora do palácio. Ela foi muito triste, por esse
mundo e chegou ao palácio de um rei, aí se ofereceu para ser cozinheira. Um dia
veio à mesa um pastel muito bem feito, o rei ao parti-lo achou dentro um anel
muito pequeno e de grande preço. Perguntou a todas as damas da corte de quem
seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia; foi passado até
que chamaram a cozinheira e só a ela o anel servia.
O príncipe viu isto e ficou logo apaixonado por ela,
pensando que era de família nobre.
Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às
escondidas e viu-a vestida com trajes de princesa. Foi chamar o rei seu pai e
ambos viram o caso. O rei deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina
tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda.
Para as festas do noivado convidou-se o rei que tinha as três filhas e que
pusera de fora a mais nova.
A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de
ser postos ao rei seu pai não pôs sal de propósito. Todos comiam com vontade,
mas só o rei convidado é que nada comia. Por fim perguntou-lhe o dono da casa,
porque é que o rei não comia.
Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da
filha:
- É porque a comida não tem sal.
O pai do novo fingiu-se raivoso e mandou que a cozinheira
viesse ali dizer por que é que não tinha posto sal na comida. Veio então a
menina vestida de princesa, mas assim que o pai a viu conheceu-a logo e
confessou ali a sua culpa por não ter percebido quanto era amado pela sua
filha, que lhe tinha dito que lhe queria tanto como a comida quer o sal e que
depois de sofrer tanto nunca se queixara da injustiça de seu pai.
Se Eu Fosse Um Esqueleto
(Ricardo Azevedo)
Se eu fosse esqueleto não ia poder tomar água nem suco
porque ia vazar tudo e molhar a casa inteira.
Tirando isso, ia acordar e pular da cama feliz como um
passarinho.
É que ser uma caveira de verdade deve ser muito divertido.
Por exemplo. Faz de conta que um banco está sendo assaltado.
Aqueles bandidões nojentões, mauzões, armados até os dentões, berrando:
- Na moral! Cadê a grana?
Se eu fosse esqueleto, entrava no banco e gritava: bu!
Bastaria um simples bu e aquela bandidagem ia cair dura no
chão, com as calças molhadas de úmido pavor.
O gerente e os clientes do banco iam agradecer e até me
abraçar, só um pouco, mas tenho certeza de que iam.
Se eu fosse caveira, de repente vai ver que eu ia ser
considerado um grande herói.
Fora isso, um esqueleto perambulando na rua em plena luz do
dia causaria uma baita confusão. O povo correndo sem saber para onde, sirenes
gemendo, gente que nunca rezou rezando, o Exército batendo em retirada, aquele
mundaréu desesperado e eu lá, todo contente, assobiando na calçada.
Um repórter de TV, segurando o microfone, até podia chegar
para me entrevistar:
- Quem é você?
E eu:
- Sou um esqueleto.
E o repórter:
- O senhor fugiu do cemitério?
Aí eu fingia que era surdo:
- Ser mistério?
E o repórter, de novo, mais alto:
- O senhor fugiu do cemitério?
- Assumiu no magistério?
- Cemitério!
- Fala sério? Quem?
Aí o repórter perdia a paciência:
- O senhor é surdo?
E eu:
- Claro que sou! Não está vendo que não tenho nem orelha?
Se eu fosse esqueleto talvez me levassem para a aula de
Biologia de alguma escola. Já imagino eu lá parado e o professor tentando me
explicar osso por osso, dente por dente, dizendo que os esqueletos são uma
espécie de estrutura que segura nossas carnes, órgãos, nervos e músculos.
Fico pensando nas perguntas e nos comentários dos alunos:
- Como ele se chamava?
- É macho ou fêmea?
- Quantos anos ele tem?
- Tem ou tinha?
- Magrinho, não?
- O cara sabia ler ou era analfabeto?
- E a família dele?
- Era rico ou pobre?
- O coitado está rindo de quê?
E ainda:
- Professor, ele era careca?
Enquanto isso, eu lá, no meio da aula, com aquela cara de
caveira, sem falar nada para não assustar os alunos e matar o professor do
coração.
Uma coisa é certa. Deve ser muito bom ser esqueleto quando
chega o Carnaval. Aí a gente nem precisa se fantasiar. Pode sair de casa numa
boa, cair no samba, virar folião e seguir pela rua dançando, brincando e
sacudindo os ossos. Parece mentira, mas, no Carnaval, porque é tudo
brincadeira, a gente sempre acaba sendo do jeito que a gente é de verdade.
Se eu fosse esqueleto, quando chegasse o Carnaval, ia sair
cantando:
“Quando eu morrer
Não quero choro nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela”
Todo mundo sabe que o maior amigo do homem é o cachorro.
O que a maioria infelizmente desconhece e a ciência moderna
esqueceu de pesquisar é que o pior inimigo do esqueleto late, morde, abana o
rabo, carrega pulgas e aprecia fazer xixi no poste.
E se eu fosse esqueleto e por acaso um vira-lata me visse na
rua, corresse atrás de mim e fugisse com algum osso dos meus?
Um Problema Difícil
(Pedro Bandeira)
Era um problema dos grandes. A turminha reuniu-se para
discuti-lo e Xexéu voltou para casa preocupado. Por mais que pensas se, não
atinava com uma solução. Afinal, o que poderia ele fazer para resolver aquilo?
Era apenas um menino!
Xexéu decidiu falar com o pai e explicar direitinho o que
estava acontecendo. O pai ouviu calado, muito sério, compreendendo a gravidade
da questão. Depois que o garoto saiu da sala, o pai pensou um longo tempo. Era
mesmo preciso enfrentar o problema. Não estava em suas mãos, porém, resolver um
caso tão difícil.
Procurou o guarda do quarteirão, um sujeito muito amigo que
já era conhecido de todos e costumava sempre dar uma paradinha para aceitar um
cafezinho oferecido por algum dos moradores.
O guarda ouviu com a maior das atenções. Correu depois para
a delegacia e expôs ao delegado tudo o que estava acontecendo.
O delegado balançou a cabeça, concordando. Sim, alguma coisa
precisava ser feita, e logo! Na mesma hora, o delegado passou a mão no telefone
e ligou para um vereador, que costumava sensibilizar-se com os problemas da
comunidade.
Do outro lado da linha, o vereador ouviu sem interromper um
só instante. Foi para a prefeitura e pediu uma audiência ao prefeito. Contou
tudo, tintim por tintim. O prefeito ouviu todos os tintins e foi procurar um
deputado estadual do mesmo partido para contar o que havia.
O deputado estadual não era desses políticos que só se
lembram dos problemas da comunidade na hora de pedir votos. Ligou para um
deputado federal, pedindo uma providência urgente. O deputado federal ligou
para o governador do estado, que interrompeu uma conferência para ouvi-lo.
O problema era mesmo grave, e o governador voou até Brasília
para pedir uma audiência ao ministro.
O ministro ouviu tudinho e, como já tinha reunião marcada
com o presidente, aproveitou e relatou-lhe o problema.
O presidente compreendeu a gravidade da situação e convocou
uma reunião ministerial. O assunto foi debatido e, depois de ouvir todos os
argumentos, o presidente baixou um decreto para resolver a questão de uma vez
por todas.
Aliviado, o ministro procurou o governador e contou-lhe a
solução. O governador então ligou para o deputado federal, que ficou muito
satisfeito. Falou com o deputado estadual, que, na mesma hora, contou tudo para
o prefeito. O prefeito mandou chamar o vereador e mostrou-lhe que a solução já
tinha sido encontrada.
O vereador foi até a delegacia e disse a providência ao
delegado. O delegado, contente com aquilo, chamou o guarda e expôs a solução do
problema. O guarda, na mesma hora, voltou para a casa do pai do Xexéu e, depois
de aceitar um café, relatou-lhe satisfeito que o problema estava resolvido.
O pai do Xexéu ficou alegríssimo e chamou o filho.
Depois de ouvir tudo, o menino arregalou os olhos:
- Aquele problema? Ora, papai, a gente já resolveu há muito
tempo!
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