"O verbo ler não
suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo ‘amar’...
o verbo ‘sonhar’... Bem, é sempre possível tentar, é claro. Vamos lá: ‘Me ame!’
‘Sonhe!’ ‘Leia!’ ‘Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!’”
Em Como um Romance
(Rocco e L&PM, 2008, R$14), Daniel Pennac (1944) fala sobre como as crianças
são interessadas no mundo da leitura, em aprender a ler, têm curiosidade nas
histórias que seus pais contam ao pé da cama antes de dormir. Mas ao crescer, a
obrigação da leitura imposta pela escola, faz com que essa vontade do
desconhecido se torne cansativa, sem prazer.
No ensaio, os pais contam, através da visão do casal, como a
criança passa do amor aos livros para a aversão total. Durante o processo,
Pennac cita vários títulos e autores, a forma do amor aos livros, o clamor para
que sejam lidos. E o texto transmite certo desespero, uma tristeza imensa pela
falta da cultura da leitura, da cumplicidade com o livro, torná-lo amigo, mas
não guardar seus segredos, gritá-los para que todos compartilhem de um mesmo
prazer: ler.
Na página 69 temos uma triste e real citação de Klaus Mann
(autor de Mefisto), que pode descrever bem a realidade da escola, também da
brasileira, onde deveriam adquirir o gosto pela leitura:
“Tudo que possuo de
cultura literária adquiri fora da escola”.
A maioria aprende a ter desprezo pelos livros e muitas vezes
com incentivo em casa: “enquanto que hoje... Os adolescentes são clientes
totais de uma sociedade que os veste, os distrai, os alimenta, os cultiva: onde
florescem os mcdonald’s e as marcas de jeans, entre outros”.
Como um Romance
foi publicado pela primeira vez em 1992, a primeira edição brasileira data de
1993, apesar dos 20 anos que separam a primeira edição do ano em que estamos,
se faz totalmente atual. E também para aqueles que leem, mas esqueceram do
prazer que a leitura proporciona, o autor diz:
“Eles tinham
simplesmente esquecido o que era um livro, aquilo que ele tinha a oferecer.
Tinham se esquecido, por exemplo, que um romance conta antes de tudo uma
história. Não se sabia que um romance deve ser lido como um romance: saciando
primeiro nossa ânsia por narrativas”.
“... eles não
valorizam a criação, mas a reprodução de ‘formas’ preestabelecidas, porque são
uma empresa de simplificação (quer dizer, de mentira), quando o romance é a arte
da verdade (quer dizer, de complexidade) (...) Resumindo, uma literatura do
‘pronto para o consumo’, feita na fôrma e que gostaria de nos amarrar dentro
dessa mesma fôrma”, diz Pennac sobre os maus romances, aqueles que são
feitos para vender e sem nenhum amor por parte do “autor”, como se dá hoje,
tantos títulos e muitos sem nenhum sentido além da busca incessante pelo
dinheiro.
Há ironia sem dosagem quando fala dos métodos:
“Não importa... ele
intervém, bem a propósito, para nos lembrar que a obsessão adulta do ‘saber
ler’ não data de ontem... nem a estupidez dos achados pedagógicos que se
elaboram contra o desejo de aprender”.
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